27/02/2012 - Constituição reconhece o direito de escolhas - Conjur
Em artigo publicado pelo Conjur , Lucas de Laurents criticou o STF por suposta aplicação de posições distintas sobre a aplicação da técnica da interpretação conforme a Constituição, ante a jurisprudência da Corte afirmar não ser ela aplicável a normas de repetição (normas legais que repetem o texto constitucional), mas posição distinta ter sido supostamente adotada no julgamento que reconheceu o status jurídico-familiar da união homoafetiva (ADPF 132 e ADIn 4277), ante o articulista considerar que não haveria diferença entre o artigo 226, §3º, da CF/88 e o artigo 1.723 do Código Civil, donde concluir que, neste caso, o STF teria admitido controle de constitucionalidade de normas constitucionais originárias, algo também contrário à jurisprudência da Corte.
Contudo, referido articulista não prestou a devida atenção nos votos dos Ministros em dito julgamento, na medida em que os Ministros expressamente afirmaram que o artigo 1.723 do Código Civil não é norma de repetição do artigo 226, §3º, da CF/88. Com efeito, segundo o Ministro Peluso: “a diversidade de redação das normas permite, e acho que isto é, de modo muito consistente, a sua racionalidade, a decisão da Corte de conhecer das demandas, exatamente com base na não coincidência semântica entre as duas normas, de tal modo que é possível enxergar o disposto no artigo 1.723 como preceito susceptível de revisão à luz do artigo 226, §3º, e de outras normas constitucionais, que constam, aliás, como causa de pedir de ambas as demandas” .
No parágrafo anterior, o Ministro afirmou justamente que considera que haveria obstáculo teórico e constitucional se o artigo 1.723 do CC/02 fosse reprodução estrita do artigo 226, §3º, da CF/88 porque isto implicaria em interpretação constitucional insuscetível de ser objeto de ação de inconstitucionalidade sob pretexto de que teríamos que interpretar a própria Constituição de acordo com a Constituição. Logo, isso é coerente com a jurisprudência tradicional do Tribunal sobre a interpretação conforme no ponto (sobre a qual guardo reserva, adiante explicitada).
Ademais, segundo a Ministra Cármen Lúcia, “afirmou o Ministro Ayres Britto que haveria de se dar pela procedência das ações porque a regra do Código Civil poderia conduzir a interpretações excludentes dos direitos daqueles que escolhem viver em uniões homoafetivas. E a largueza dos princípios constitucionais determinam que a interpretação a ser aproveitada quanto aos direitos fundamentais impõem a interpretação conforme da regra em foco segundo a norma constitucional entendida numa largueza maior, fundamentada nos princípios magnos do sistema” – o que disse para, em seguida, afirmar que “a Constituição haverá de ser interpretada como um conjunto harmônico de normas, no qual se põe uma finalidade voltada à concretização dos valores nela adotados como princípios”, donde, pelo princípio da dignidade da pessoa humana impor a tolerância e a convivência harmônica de todos, com integral respeito às livres escolhas das pessoas” , “a referência expressa a homem e mulher garante a eles, às expressas, o reconhecimento da união estável como entidade familiar, com os consectários jurídicos próprios. [mas] Não significa, a meu ver, contudo, que se não for um homem e uma mulher, a união não possa vir a ser também fonte de iguais direitos.
Bem ao contrário, o que se extrai dos princípios constitucionais é que todos, homens e mulheres, qualquer que seja a escolha do seu modo de vida, têm os seus direitos fundamentais à liberdade, a ser tratado com igualdade em sua humanidade, ao respeito, à intimidade garantidos” , pois, por ser objetivo da República a promoção do bem de todos, sem preconceitos e discriminações, a inteligência da regra legal não pode conduzir ao preconceito e à discriminação , razão pela qual “A interpretação correta da norma constitucional parece-me, portanto, na sequência dos vetores constitucionais, ser a que conduz ao reconhecimento do direito à liberdade de que cada ser humano é titular para escolher o seu modo de vida, aí incluído a vida afetiva com outro, constituindo uma instituição que tenha dignidade jurídica, garantindo-se, assim, a integridade humana de cada qual [...]