05/01/2012 - Artigo - Débito ou crédito conjugal? - Por Maria Berenice Dias - Jusbrasil

05/01/2012 12:40

 

Maria Berenice Dias - Advogada. Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça-RS. Vice-Presidenta Nacional do IBDFAM

Todo mundo acredita que existe o chamado "débito conjugal". Uma crença tão antiga que até dispõe de uma expressão latina debitum conjugale .

Esta não é a única referência a esse "direito-dever" que advém do Direito Canônico, chamado de jus in corpus , ou seja, direito sobre o corpo. Claro que é o direito do homem ao corpo da mulher, para atender ao dogma "crescei e multiplicai-vos".

O fato é que o casamento sempre foi identificado com o exercício da sexualidade, pois servia para "legalizar" as relações sexuais. Era um remédio contra a concupiscência - remedium concupiscentiae - o que, segundo o dicionário, significa inclinação a gozar prazeres sexuais.

Até hoje há quem afirme que o casamento se "consuma" na noite de núpcias. Antigamente, tal ocorria pelo desvirginamento da mulher, fato que precisava ser provado publicamente, pela exposição do lençol marcado de sangue, como é visto em filmes de época. Mesmo com o fim do tabu da virgindade - que já serviu até de causa para o pedido de anulação de casamento - o mito continua.

Ainda que persista a crença que o débito conjugal existe, ninguém consegue definir do que se trata. Será a obrigação do exercício da sexualidade? Significa que os cônjuges são obrigados à prática sexual? De onde advém este dever?

Será que a desculpa feminina da dor de cabeça configura descumprimento da obrigação? E a ejaculação precoce ou a impotência - fantasmas que rondam todos os homens - seriam inadimplemento ou mau cumprimento desse dever? E a alegação da mulher de nunca ter sentido prazer, é causa suficiente da incompetência masculina para se desincumbir de seu encargo? E, se de uma obrigação se trata, pode ser executada por terceiros ou é uma obrigação infungível?

A sorte é que a lei não impõe o débito conjugal. O casamento estabelece comunhão plena de vida (CC 1.511) e faz surgir deveres de fidelidade, vida em comum, mútua assistência, respeito e consideração (CC 1.566). Nenhuma dessas expressões é uma maneira pudica de impor a prática sexual. Nem o dever de fidelidade permite acreditar que existe o encargo da prática sexual. Mais serve é para gerar a presunção de paternidade dos filhos (CC 1.597), se tanto.

 

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